Gratuidades no transporte público urbano pagas pelos usuários é Injustiça Social[i]
Nazareno Stanislau Affonso[ii]
As conquistas sociais de determinado segmento da sociedade remetem, à
primeira vista, a uma questão de justiça. Esse princípio é reforçado pelo fato
de que a maioria dessas conquistas é objetos de leis aprovadas pelos eleitos
como representantes do povo nas casas legislativas e sancionadas pelos
governos respectivos.
Entretanto, as leis podem fazer justiça para alguns e ter como consequência
a injustiça para muitos. A concessão de gratuidades e benefícios tarifários nos
serviços de transporte público urbano enquadra-se bem nessa situação.
O transporte público urbano é um serviço essencial para a vida nas cidades,
pois tem a missão de garantir deslocamentos das pessoas, ou seja, o direito
de ir e vir estabelecido pela Constituição Federal. Devido a esta característica,
tal serviço tem de cobrar um preço justo e acessível, pois a maioria das
pessoas que o utiliza pertence às classes mais carentes da sociedade.
Na atualidade, um emaranhado de leis, originadas nos três níveis de governo,
concede inúmeras gratuidades e benefícios tarifários e diversos segmentos
sociais nos serviços de transporte público urbano. Inicia- se pela própria
Constituição Federal, que concede a gratuidade aos idosos com mais de 65
anos, passando por leis federais que dão benefícios aos carteiros, oficiais de
justiça e fiscais do trabalho. A partir daí, leis estaduais e municipais cuidam
de estender os benefícios a um grande número de classes sociais, como
estudantes, aposentados do serviço público, deficientes físicos, policiais civis
e militares, bombeiros, etc.
Não nos cabe discutir o direito de cada desses segmentos da sociedade de
usufruir os benefícios alcançados: ao contrário, as gratuidades do idoso,
das pessoas com deficiência e a meia passagem dos estudantes são justas
e merecem o nosso apoio. A grande questão a ser colocada é: quem está
pagando e quem deve pagar a conta?
O fato é que a imensa maioria das leis, sejam federais, estaduais e municipais,
que estabelecem as gratuidades e benefícios tarifários no transporte público,
não indica a fonte de recursos para custear esses concessões. Na falta de uma
fonte externa de custeio, a conta acaba indo para o preço da passagem e quem
Banca é o usuário que paga a tarifa integral e não goza de nenhum benefício.
O entendimento dessa conta é simples: o valor da passagem do transporte
público urbano é o resultado do custo total do serviço dividido pelo número
de usuários pagantes.
Assim, quanto maior o número de passageiros beneficiados com gratuidades ou descontos nas passagens, menor será o número de pagantes e, consequentemente, maior será o valor da tarifa.
Hoje em dia, as tarifas dos transportes urbanos, na média nacional, estão oneradas em cerca de 19% para cobrir os custos das gratuidades e abatimentos tarifários.
Em outras palavras, significa que se houvesse fonte de custeio externa para a cobertura desses custos, as tarifas atuais poderiam ser reduzidas em 19%.
Na verdade, ao se conceder benefícios tarifários a determinados segmentos sociais,
vivenciamos na pratica atual uma grande injustiça social na qual, em grande parte,
pessoas menos favorecidas socialmente, e que utilizam transporte público todos os dias, estão financiando uma política publica de assistência social. É o caso, por exemplo, de trabalhadores assalariados sem carteira assinada e, portanto, sem direito
ao vale-transporte, que pagam pela gratuidade concedida pelas políticas sociais do Governo.
A maioria desses benefícios tarifários é concedida por leis votadas nas casas legislativas dos três níveis de governo pelos representantes da sociedade e sancionadas pelos governos respectivos. Dessa forma, fica claro que a decisão de conceder cada benefício expressa um desejo de toda a sociedade que deve, então, arcar com os custos advindos dessas concessões. Portanto, promover a justiça social é custear as gratuidades e descontos tarifários no transporte público urbano através dos orçamentos públicos que reúnem as contribuições de toda a sociedade, inclusive dos usuários nessa condição de cidadãos e não de passageiros.
No caso especifico da gratuidade de idosos, a Constituição Federal é muita clara ao estabelecer no Artigo 230 que a família, “a sociedade” e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas. Além disso, o Artigo 195 estabelece que a seguridade social, responsável pelas ações de assistência social, será financiada por toda sociedade.
É muito cômodo para o governo empurrar essa conta para usuários do transporte público coletivo de passageiros, ao invés de cumprir a Constituição Federal e estabelecer a cada ano um percentual do orçamento publico para financiar essas gratuidades sociais.
A omissão é a falta de interesse governamental sobre este assunto ficaram claramente demonstradas recente da sanção da lei nº 12.587/2012, em que os parágrafos 1º e 3º do artigo 8º foram vetados pela presidência da republica. Parágrafo 1º dizia que as concessões e benefícios tarifários a uma classe ou coletividade de usuários de serviços de transporte publico coletivo de passageiros deveriam ser custeadas com recursos financeiros específicos, sendo proibido atribuir o referido custeio aos usuários do respectivo serviço. Já o parágrafo 3º estabelecia que o não cumprimento da regra implicaria em enquadramento dos administradores públicos na lei de responsabilidade fiscal.
Toda sociedade usufrui do transporte publico urbano e não só seus usuários. Bem como o transporte público como serviço essencial, conforme rege a Constituição, deveria ser garantido o acesso a todos os brasileiros. Infelizmente isso não acontece, pois um grande número de cidadãos não o utilizam de forma regular por não ter dinheiro para pagar as passagens. É uma verdadeira explosão social. O barateamento das tarifas dos transportes urbano deve ser priorizado e passar pelo custeio das atuais gratuidades com o recursos dos orçamentos públicos, bem como da instauração de uma justiça tributária e da fluidez do transporte público no trânsito.
[i] Affonso, N. E. (2013, março-abril). Gratuidades no transporte público urbano pagas pelos usuários é Injustiça Social.
[ii] Coordenador Nacional do MDT – Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade, Presidente do Instituto RUAVIVA e Coordenador do Escritório da ANTP em Brasília.
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